SELETA

03/11/2011 16:48

DAVID MAXSUEL LIMA

 

 

 

 

 

 

 

 

CAFÉ COM LEITE

 

 

 

 

 

 

 

 

SELEÇÃO DE POEMAS

            APRESENTAÇÃO

            Poemas que não são poemas; a própria interpretação; o desejo de conter determinados escritos; um dito que não se faz dito; criar o que desperte a fome no leitor: é o que se faz necessário, são estas minhas pretensões.

            Escrevo para leitores indecentes, ou seja, leitores que dissecam as linhas e entrelinhas, pessoas capazes de penetrar fundo no universo da palavra. Meus poemas só se completam na presença de um leitor ativo: aquele que constrói o essencial.

            Pouco a pouco, vou tecendo meu caderno para mostrá-lo aos meus aplicados alunos. Uma parcela de culpa, uma ponta de dúvida, três gramas de verdade, dois centímetros de desejo, dez toneladas de sentimento, e razão a gosto – são ingredientes dos meus versos.

            Não pretendo que os poemas possuam afinidades entre si, pelo contrario, tive a intenção de distanciá-los, quanto ao conteúdo, significativamente. Isto para dar ao leitor a possibilidade de saltar para um vôo mais amplo e empolgante. Meu caderno é um tecido rasgado, uma peça desgastada.

            Há em torno de meus ordenados várias pontes, uma ênfase falsa, o prazer humano de se alimentar do muito.

            A simplicidade é um norte nestas composições. Lembranças que fluem à mente do leitor é um recurso do qual me apodero conscientemente. Quero que meu público se reconheça na obra e que a obra abrace o público.

            As coisas do mundo é o que possuo, é o que dita o ritmo de meus escritos. A entonação é uma constante do meu eu – poético. O que conduz o leitor é o sobro poético, a idéia caracterizada, o monólogo verdadeiro.

            Diante à realidade, minha única arma é a literatura. Com ela quero, a partir de um ângulo inesperado, mostrar o segmento mundano, deslocar o indivíduo de sua posição.

            Pretendo que meus poemas tornem-se lembretes para uma parcela faminta e questionadora da sociedade e que, ao mesmo tempo, leve o leitor a experimentar o óbvio principio da indigestão poética.

            Toda poesia carrega em si o desejo. Todo poeta carrega dentro de si pretensões. Unindo uma coisa a outra, temos o poema.

 

 

 

 

Noção

 

Os poemas que ficam,

me guardam.

Os poemas que vão,

me salvam.

 

 

Entre as vontades

 

Essa vontade imensa que tenho

de, com uma pena, escrever um verso.

Essa vontade imensa que tenho

de, com um sopro, tornar um verso eterno.

Essa vontade imensa que tenho

de, com um gesto simples, tornar finito o eterno.

Ah..., essas vontades que tenho

de, com o passar da vida, ter um amor.

 

 

Ente os tempos

 

Depressa! Ajeite o cabelo.

A viagem só começa

quando o mundo acaba.

 

 

Entre as vidas

 

Jogarei a primeira pedra.

Serei a primeira pedra.

Comerei a primeira pedra.

Ah..., sempre fui pedra.

 

 

Sobre o dia

 

O dia está seco.

As cruzes caíram tarde.

 

Avaliação

 

Quando escrevo pouco,

muito escrevo.

Quando escrevo muito,

pouco escrevo.

E quando escrevo

não escrevo.

Muito e pouco escrevo.

 

Segredo

 

Ninguém podia saber,

mas a gente morre mesmo

 é antes de nascer.

 

A Vida

 

A vida é o infinito entre aspas.

 

 

Resposta aos Porquês

 

Porque é inútil.

 

 

Ressuscitador

 

Ressuscita a mim que estou vivo.

 

 

Verso sobre poetas

 

Todos somos poetas:

Uns com a cortina fechada, outros com a cortina aberta.

 

 

Poesia às visitas

 

As mulheres falam dos homens.

 Os homens falam sobre futebol.

Onde está o poeta?

 

 

Posse

 

Tenho a pedra em minhas mãos.

Engulo-a.

 

 

Vida

 

Ai, que coisa feia, meu Deus!

 

 

Relações

 

Porque ele e não eu?

 

 

Aviso

 

Desperte leitor,

que o poema corre.

 

 

Motivos

 

Pense.

Acabou.

 

Slogan de funerária

 

A morte é um estilo de vida.

 

 

Poesia de baixo escalão

 

Rabisco hoje; amanhã poema.

 

 

Além do mais

 

Quem interpreta um poema faz mais que interpretar um poema.

 

 

Motivos para viver

 

A galinha botou três ovos.

Então, podemos curtir a vida?

 

 

Inicio

 

Fim.

 

 

Poemeto Solitário

 

Beija, beija, beija-flor.

O mundo acabou,

mas o amor ainda resiste.

 

 

Quando tudo acaba

 

Tem um Mas.

 

Lição Fúnebre

 

O cemitério é a melhor escola da vida.

 

 

Infância poética

 

O mais difícil é ser café-com-leite.

 

 

Foco do poeta

 

Se estou escrevendo errado

 é porque meu poema

 chegou ao lugar errado.

 

 

 

Algo importante

 

Nem te conto.

 

 

Imaginação

 

Você nem imagina o que aconteceu.

 

 

Intenção

 

Com este poema, não quero dizer nada,

mas pense nisso.

 

 

Falhas

 

Três vezes me joguei dum precipício.

Nunca fez efeito.

Tive a mesma vida, sempre.

Mas posso dizer que

três vezes me joguei dum precipício.

 

 

Poema sem nome

 

Uma palavra passa.

Por hoje, basta.

Uma palavra caça.

Por hoje, basta.

Uma palavra coça.

Por hoje, basta.

Uma palavra transa.

Por hoje, basta.

 

 

Verbo alienar

 

A televisão

vai domesticando

seu homem de estimação.

 

 

Descobrimento

 

Ouça:

Um poema achado faz um homem perdido.

 

 

Recado ao país

 

Passei o Sete de Setembro

esperando o Oito de Setembro.

 

 

Solução

 

Se estás com medo do próprio umbigo,

não enfie a cabeça num buraco,

como o fazem os bichos:

enfie a cabeça num livro.

 

 

Caso de Polícia

 

Quem lê comete um crime: mata a ignorância.

 

 

Leitura

 

A leitura é uma dança:

o leitor dita o ritmo

e o livro os passos.

 

 

Opções

 

A certa altura do campeonato

O buraco se abre.

A chave está perdida.

Ou lhe dão um choque

ou lhe tomam a vida.

 

 

Problemas burgueses

 

No teto,

a teia de aranha

arranha a limpeza

 da burguesa analfabeta.

 

 

Monólogo

 

O poema e você.

 

Verdades

 

A recompensa não existe.

 O que existe é poesia.

 

 

Verbete

 

No brejo, o sapo canta

 e pede o significado do verbo cantar.

            −Mas sapos não pedem!

 

 

Refeição

 

Poema não mata a fome.

E pare de palitar os dentes.

 

Princípios

 

Para onde olhas e o que vês.

É o que realmente interessa.

 

 

Mensagem aos bons leitores

 

O bom do poema é que a gente nunca o lê duas vezes.

 

Introdução ao meu caderno

 

... se eu vomitasse todo o meu tédio sobre o mundo...

 

 

O título deste poema é  próprio poema

...

 

 

As vésperas do fim do mundo

 

Teremos lucro –diz  o dono da funerária,

e morre.

 

 

Linha direta

 

Que descente que nada.

Eu quero é o leitor indecente!

 

 

Tristeza maior

 

Por hoje, chega.

 

 

Mistério sem nome

 

Toda poesia é outra.

 

 

Confissão

 

Fui eu quem roubou a flor roxa nascida junto ao túmulo de um homem de Deus.

 

 

Necessidade de se explicar

 

Mais que uma mosca: um poema.

 

 

Tragédia à brasileira

 

Foi ver o acidente e morreu acidentado.

 

Perdas e providências

 

Não dê importância a este verso,

ele só foi feito com a intenção de preencher

o vazio de outro.

 

 

Arranjos

 

O poeta não compreende o poeta dentro de si.

 

 

Explicações

 

Mais que vazio, menos que nada: poesia.

 

 

Vestígios

 

Por que passar pelo portão

se o bom mesmo é pular o muro?

 

 

Em tempos

 

Não deveríamos nos acostumar com as batidas do coração.

 

 

Orar

 

Recitar um poema em voz baixa

é uma boa oração.

 

 

Finalidade

 

Em meio ao tumulto, leia um livro.

            −Única maneira de não se deixar engolir

por absurdos.

 

 

Trecho de carta

 

... esses suspiros são pedaços do amor...

 

 

P. S.

 

O único sorriso que ofende

 é o da ignorância.

 

 

Profecia

 

Para dizer a verdade,

continuo achando que o mundo acaba em poesia.

 

 

Saudações

 

O que tenho a oferecer é meio poema.

No mais, sou leitor.

 

Conseqüências

 

Um pouco desse meu tédio

Vêm do fato de eu não ter feito

Redações sobre minhas férias.

 

 

Trecho retirado do discurso dos deuses

 

De certo modo, o mundo continuará o mesmo

depois do fim do mundo.

 

 

Versinho de jovem poeta

 

Não tenho biografia, só pretensões.

 

 

Ponto de vista

 

As perguntas são as melhores respostas.

 

 

Poema do romance Dom Casmurro

 

Traiu ou não traiu?

 

 

Poema-Notícia

 

Índias se prostituem na fronteira Brasil-Paraguai.

Três pontinhos para você pensar:

...

            − a gente fica triste vendo como o Brasil sustenta seu passado.

 

 

Espaço para esboços

 

Um homem dorme.

 

 

Depoimento

 

Só sei, assim, que abri a janela.

Depois só deu poema entrando.

 

 

Reafirmação

 

Uma verdadeira biografia se faz

a partir de pretensões.

 

 

Norte de todo poema

 

Quem não gosta, cospe.

 

 

Regionalismo absurdo

 

Em grandes centros, conjunto de carros

alinhados chama-se congestionamento.

Aqui, no interior, isso ainda é carreata.

 

 

Memórias Póstumas

 

Já é chegado o dia

em que se chora sem o auxílio

das cebolas?

 

 

 

Paranóia

 

Um dia, Assis,

Deus será feliz.

 

 

(Aguardem)