SELETA
DAVID MAXSUEL LIMA
CAFÉ COM LEITE
SELEÇÃO DE POEMAS
APRESENTAÇÃO
Poemas que não são poemas; a própria interpretação; o desejo de conter determinados escritos; um dito que não se faz dito; criar o que desperte a fome no leitor: é o que se faz necessário, são estas minhas pretensões.
Escrevo para leitores indecentes, ou seja, leitores que dissecam as linhas e entrelinhas, pessoas capazes de penetrar fundo no universo da palavra. Meus poemas só se completam na presença de um leitor ativo: aquele que constrói o essencial.
Pouco a pouco, vou tecendo meu caderno para mostrá-lo aos meus aplicados alunos. Uma parcela de culpa, uma ponta de dúvida, três gramas de verdade, dois centímetros de desejo, dez toneladas de sentimento, e razão a gosto – são ingredientes dos meus versos.
Não pretendo que os poemas possuam afinidades entre si, pelo contrario, tive a intenção de distanciá-los, quanto ao conteúdo, significativamente. Isto para dar ao leitor a possibilidade de saltar para um vôo mais amplo e empolgante. Meu caderno é um tecido rasgado, uma peça desgastada.
Há em torno de meus ordenados várias pontes, uma ênfase falsa, o prazer humano de se alimentar do muito.
A simplicidade é um norte nestas composições. Lembranças que fluem à mente do leitor é um recurso do qual me apodero conscientemente. Quero que meu público se reconheça na obra e que a obra abrace o público.
As coisas do mundo é o que possuo, é o que dita o ritmo de meus escritos. A entonação é uma constante do meu eu – poético. O que conduz o leitor é o sobro poético, a idéia caracterizada, o monólogo verdadeiro.
Diante à realidade, minha única arma é a literatura. Com ela quero, a partir de um ângulo inesperado, mostrar o segmento mundano, deslocar o indivíduo de sua posição.
Pretendo que meus poemas tornem-se lembretes para uma parcela faminta e questionadora da sociedade e que, ao mesmo tempo, leve o leitor a experimentar o óbvio principio da indigestão poética.
Toda poesia carrega em si o desejo. Todo poeta carrega dentro de si pretensões. Unindo uma coisa a outra, temos o poema.
Noção
Os poemas que ficam,
me guardam.
Os poemas que vão,
me salvam.
Entre as vontades
Essa vontade imensa que tenho
de, com uma pena, escrever um verso.
Essa vontade imensa que tenho
de, com um sopro, tornar um verso eterno.
Essa vontade imensa que tenho
de, com um gesto simples, tornar finito o eterno.
Ah..., essas vontades que tenho
de, com o passar da vida, ter um amor.
Ente os tempos
Depressa! Ajeite o cabelo.
A viagem só começa
quando o mundo acaba.
Entre as vidas
Jogarei a primeira pedra.
Serei a primeira pedra.
Comerei a primeira pedra.
Ah..., sempre fui pedra.
Sobre o dia
O dia está seco.
As cruzes caíram tarde.
Avaliação
Quando escrevo pouco,
muito escrevo.
Quando escrevo muito,
pouco escrevo.
E quando escrevo
não escrevo.
Muito e pouco escrevo.
Segredo
Ninguém podia saber,
mas a gente morre mesmo
é antes de nascer.
A Vida
A vida é o infinito entre aspas.
Resposta aos Porquês
Porque é inútil.
Ressuscitador
Ressuscita a mim que estou vivo.
Verso sobre poetas
Todos somos poetas:
Uns com a cortina fechada, outros com a cortina aberta.
Poesia às visitas
As mulheres falam dos homens.
Os homens falam sobre futebol.
Onde está o poeta?
Posse
Tenho a pedra em minhas mãos.
Engulo-a.
Vida
Ai, que coisa feia, meu Deus!
Relações
Porque ele e não eu?
Aviso
Desperte leitor,
que o poema corre.
Motivos
Pense.
Acabou.
Slogan de funerária
A morte é um estilo de vida.
Poesia de baixo escalão
Rabisco hoje; amanhã poema.
Além do mais
Quem interpreta um poema faz mais que interpretar um poema.
Motivos para viver
A galinha botou três ovos.
Então, podemos curtir a vida?
Inicio
Fim.
Poemeto Solitário
Beija, beija, beija-flor.
O mundo acabou,
mas o amor ainda resiste.
Quando tudo acaba
Tem um Mas.
Lição Fúnebre
O cemitério é a melhor escola da vida.
Infância poética
O mais difícil é ser café-com-leite.
Foco do poeta
Se estou escrevendo errado
é porque meu poema
chegou ao lugar errado.
Algo importante
Nem te conto.
Imaginação
Você nem imagina o que aconteceu.
Intenção
Com este poema, não quero dizer nada,
mas pense nisso.
Falhas
Três vezes me joguei dum precipício.
Nunca fez efeito.
Tive a mesma vida, sempre.
Mas posso dizer que
três vezes me joguei dum precipício.
Poema sem nome
Uma palavra passa.
Por hoje, basta.
Uma palavra caça.
Por hoje, basta.
Uma palavra coça.
Por hoje, basta.
Uma palavra transa.
Por hoje, basta.
Verbo alienar
A televisão
vai domesticando
seu homem de estimação.
Descobrimento
Ouça:
Um poema achado faz um homem perdido.
Recado ao país
Passei o Sete de Setembro
esperando o Oito de Setembro.
Solução
Se estás com medo do próprio umbigo,
não enfie a cabeça num buraco,
como o fazem os bichos:
enfie a cabeça num livro.
Caso de Polícia
Quem lê comete um crime: mata a ignorância.
Leitura
A leitura é uma dança:
o leitor dita o ritmo
e o livro os passos.
Opções
A certa altura do campeonato
O buraco se abre.
A chave está perdida.
Ou lhe dão um choque
ou lhe tomam a vida.
Problemas burgueses
No teto,
a teia de aranha
arranha a limpeza
da burguesa analfabeta.
Monólogo
O poema e você.
Verdades
A recompensa não existe.
O que existe é poesia.
Verbete
No brejo, o sapo canta
e pede o significado do verbo cantar.
−Mas sapos não pedem!
Refeição
Poema não mata a fome.
E pare de palitar os dentes.
Princípios
Para onde olhas e o que vês.
É o que realmente interessa.
Mensagem aos bons leitores
O bom do poema é que a gente nunca o lê duas vezes.
Introdução ao meu caderno
... se eu vomitasse todo o meu tédio sobre o mundo...
O título deste poema é próprio poema
...
As vésperas do fim do mundo
Teremos lucro –diz o dono da funerária,
e morre.
Linha direta
Que descente que nada.
Eu quero é o leitor indecente!
Tristeza maior
Por hoje, chega.
Mistério sem nome
Toda poesia é outra.
Confissão
Fui eu quem roubou a flor roxa nascida junto ao túmulo de um homem de Deus.
Necessidade de se explicar
Mais que uma mosca: um poema.
Tragédia à brasileira
Foi ver o acidente e morreu acidentado.
Perdas e providências
Não dê importância a este verso,
ele só foi feito com a intenção de preencher
o vazio de outro.
Arranjos
O poeta não compreende o poeta dentro de si.
Explicações
Mais que vazio, menos que nada: poesia.
Vestígios
Por que passar pelo portão
se o bom mesmo é pular o muro?
Em tempos
Não deveríamos nos acostumar com as batidas do coração.
Orar
Recitar um poema em voz baixa
é uma boa oração.
Finalidade
Em meio ao tumulto, leia um livro.
−Única maneira de não se deixar engolir
por absurdos.
Trecho de carta
... esses suspiros são pedaços do amor...
P. S.
O único sorriso que ofende
é o da ignorância.
Profecia
Para dizer a verdade,
continuo achando que o mundo acaba em poesia.
Saudações
O que tenho a oferecer é meio poema.
No mais, sou leitor.
Conseqüências
Um pouco desse meu tédio
Vêm do fato de eu não ter feito
Redações sobre minhas férias.
Trecho retirado do discurso dos deuses
De certo modo, o mundo continuará o mesmo
depois do fim do mundo.
Versinho de jovem poeta
Não tenho biografia, só pretensões.
Ponto de vista
As perguntas são as melhores respostas.
Poema do romance Dom Casmurro
Traiu ou não traiu?
Poema-Notícia
Índias se prostituem na fronteira Brasil-Paraguai.
Três pontinhos para você pensar:
...
− a gente fica triste vendo como o Brasil sustenta seu passado.
Espaço para esboços
Um homem dorme.
Depoimento
Só sei, assim, que abri a janela.
Depois só deu poema entrando.
Reafirmação
Uma verdadeira biografia se faz
a partir de pretensões.
Norte de todo poema
Quem não gosta, cospe.
Regionalismo absurdo
Em grandes centros, conjunto de carros
alinhados chama-se congestionamento.
Aqui, no interior, isso ainda é carreata.
Memórias Póstumas
Já é chegado o dia
em que se chora sem o auxílio
das cebolas?
Paranóia
Um dia, Assis,
Deus será feliz.
(Aguardem)