Precipitação dos Atos
Santinha era a garota mais tonta da turma; tão lenta que a apelidaram de Preguiça. E o apelido pegou, era Preguiça para lá, Preguiça para cá, Preguiça faça isso, Preguiça faça aquilo. Com o tempo, ninguém mais lembrava o nome dela, era Preguiça e pronto.
A turma resolveu mostrar a cidade para um amigo que viera passar o final de semana com eles, instalando-se na casa da Preguiça. Pegaram o carro e deram inicio a excursão. Foram mostrando ao amigo todas as particularidades do município: praças, parque de diversões, casa de jogos, bares, boates e monumentos históricos.
Ao voltarem para casa, estavam sonolentos. Pararam no semáforo e pediram que Preguiça vigiasse a movimentação dos carros atrás do que estavam. Preguiça olhou pelo retrovisor.
− Tem um ali sim.
E a turma ficou esperando a Preguiça dar o sinal verde para que eles prosseguissem, até que o dono do carro, parado atrás deles, buzinou e pediu que se apressassem.
− Era pra olhar pra trás e não pelo retrovisor Preguiça! Se fosse pra isso eu mesmo olhava.
Alguns metros depois, novamente pararam no sinal. Uma carreta estacionada em local proibido reduzia o campo de visão do motorista que teve de recorrer a Preguiça.
− Preguiça, vê ai se não tá vindo nenhum carro. Mas preste atenção, hein!
− Carro? Não vem nenhum não –Afirmou Preguiça.
− Tem certeza?
− Absoluta!
Mesmo com a Preguiça afirmando com tanta certeza, o motorista resolveu esperar. Um microônibus passou em questão de segundos.
− Você viu aonde ia nos enfiar Preguiça? Presta atenção pô! Tá querendo nos matar?
− Desculpa, eu não vi.
− “Desculpa”, é toda hora isso!
O amigo intrometeu-se na conversa:
− Ei, ei, calma ai, dá uma chance pra guria cara.
− Tá, tá, mas é a última vez. Ouviu Preguiça? Agora vê ai se tá vindo algum carro.
− Espera ai ...
− Não, carro não...
− Pode acelerar – ordenou o amigo.
−... Mas tem um caminhão vindo –completou Preguiça.
O motorista freou bruscamente; e por pouco não colidiu com o caminhão; saiu do carro; abriu a porta traseira e pediu que Preguiça saísse.
− Sai, anda. Você tá louca? Queria nos matar é? Quase conseguiu! Também, como confiar numa, numa... Preguiça!
− Meu nome é Santinha tá!
− Que se dane o seu nome! Você quase nos matou. Porque você não some daqui? Sei lá, vá pra Amazônia ou pro Pantanal, ou noutro lugar onde te aceitem.
− Ah, é assim?
Santinha estava nervosa. E mulher nervosa com esse nome não é flor que se cheire.
− Sai todo mundo do carro, sai, anda, anda. Saiam do MEU carro –gritou Santinha.
Saíram todos. Santinha entra no carro e sai em disparada.
− Tá vendo? E agora sabichão? Não sabe conversar com a guria –diz o amigo visitante, em tom de desabafo.
− Tranqüilo. Fazer o que né?
− É, fazer o que agora? – replica o amigo.
− Vamos admirar a paisagem –argumenta João, o motorista.
− Seu... seu...
E todos voltaram para casa, sãos e salvos.