Memórias de meu tio Bêbado

12/09/2011 14:37

MEMÓRIAS DE MEU TIO BÊBADO

 

            Frouxo como sempre, Demédio era um conhecido bêbado da cidade, conhecia-o bem. Os olhos esbugalhados e com os ossos a mostra, hematomas por todo o corpo não escondiam sua condição de alcoólatra. Quando não afetado pelo álcool trabalhava em fazendas da região prestando serviços gerais que iam desde capinar a roça até a humilhante tarefa de satisfazer os desejos de uma ou outra velha que por acaso aparecesse.

            Ganho algum dinheiro, vinha para a cidade embebedar-se, não raramente era roubado, quando em muito cinqüenta reais, mas maior roubo ele sofria era dos fazendeiros que pagavam uma diária por uma semana de trabalho. Demédio era pessoa simples e de bom coração, vivia correndo atrás de uma velha preta, miúda que só vendo, parecia ter encolhido após tomar uma bruta chuva. A preta até que lhe arrastava asas, mas o que ela queria mesmo era o dinheiro do tolo, que se rendia a beleza vista somente por ele naquela criatura com fama de bruxa e acostumada a botar chifres no marido.

            Na cidade, Demédio dormia num galinheiro na casa da irmã, Josefa, pela qual guardava imensa admiração e dava muito trabalho. Quando não alcoolizado pouco falava, mas após alguns goles começava a discursar enrolado, colocava as mãos na orelha (simulando um celular), talvez, acreditando estar falando com alguém.

            Demédio era valente quando bêbado, lembro-me de uma ocasião em que ele tentara bater numa sua sobrinha. Dizia ele:

– Olha que eu bato, ó Neguinho (morrendo de rir) que eu vou bater na sua irmã!

E quando partia para cima dela, esta o derrubava com um simples empurrão. Era feito um galo de briga esse Demédio quando bebia.

Corria pela cidade o boato de que o ultima filha da velha preta era dele, o coitado logo acreditou, enchia de mimos a menina. Muitas vezes, bêbado, pegava uma bicicleta acabada e sem freio, comprava alguns doces e levava para a menina. Não raro apanhava do Zé Pintado, marido da velha preta. Quando isso não acontecia, era porque Demédio havia caído um tombo nas proximidades da resistência da suposta filha.

Zé Pintado morreu e Demédio assumiu seu posto, sem dúvida já tinha alguns chifres, mas isso pouco lhe importava. Apesar da bebida, era uma boa pessoa, muito querido e injustiçado também.

Conta-se que com o passar do tempo, Demédio foi secando, secando, até que morreu de sei-lá-o-quê. As más línguas culpam a bruxa, outros atribuem a morte ao obvio: a bebida.

Pouco se sabe desse meu tio, não teve nada na vida, mas se dizia apaixonado, apesar de morto e enterrado, desenterrei sua história e pus nessa crônica.