Insônia, uma justificativa

22/03/2012 13:23

 

 

Estás deitado, tentando dormir. Ficas conectado aos seus pensamentos, depois contas as vigas do teto. A luz acesa, agora apagada. Lês um livro, bocejas. Tu vais ao banheiro, passas pela cozinha, amarela e desagradável, abres a geladeira, observas o seu interior como se admirasse um quadro de Van Gogh. No quarto, implicas com o colchão, pensas em comprar outro, com o travesseiro, idem – com o cobertor, com o lençol, revelas a mesma implicância. A luminosidade da rua penetra através da janela, o barulho dos carros, o arranque dos motores, a buzina das motocicletas, tudo alcança os seus ouvidos.

Novamente levantas, reparas as suas olheiras refletidas no espelho, penteias o cabelo, maneira besta de gastar o tempo, sorris, faz careta, verificas a brancura dos dentes, talvez você note a horrível aparência da sua língua ou o estado do seu aparelho odontológico. Voltas à cama.

Abres o caderno de anotações, escreves algumas linhas, achas lindo, esplêndido, colossal, aquele conjunto de rabiscos. Bebes toda a água do copo que descansava cuidadosamente sobre o criado-mudo.

Os zunidos incomodam cada vez mais, sua audição fica sensível ao extremo, os pernilongos te atacam. Ouves um tiro, ou seria um trovão? A chuva cai, goteiras inundam a cama. Levantas, pela enésima vez, irritado, arrastas o leito para o meio do quarto, chutas o criado-mudo, diz um palavrão, observas, estático, a água cair gota a gota.

Os cães latem, o vizinho ri alto, alguém não tão distante puxa a descarga do vaso sanitário. Pensas que estás com dor de cabeça, ou algo parecido, e esta suposta dor aumenta quando percebes que distingues o som rítmico da água ao incidir sobre as latas de cerveja jogadas aleatoriamente ao fundo da casa.

O choro do bebê é insuportável, acorda meia madrugada; a música sertaneja é horrível, patética e dispensável. Os trovões fazem a casa tremer. A superstição ordena que se arranje um pano e coloque-o sobre quaisquer espelhos. Feito isso, já pensas em insônia.

Olhas o relógio, três da madrugada. Às cinco o vizinho, do lado esquerdo, sai para trabalhar, liga o seu lixo ambulante, carinhosamente apelidado de carro, e, você acha, dormir ficará difícil –nem se lembras que o dia que se inicia é domingo. Em suma, crês que tens, no máximo, duas horas de sono; sono leve, insatisfatório, na verdade.

Fechas os olhos, santo ritual, tentas emitir alguma ordem ao teu cérebro, como quem grita: durmas! Apague! E a vontade de ir ao banheiro ataca. Vais, voltas correndo, um bocejo atrás do outro, com um novo copo entre os dedos, ajeita-o sobre o criado mudo, ajeita-se na cama e…

Alguém bate na porta, acordas confuso, exclamas meia dúzia de absurdos. E, ao longo do dia, tens na insônia uma justificativa para o seu mau-humor diário. 



MAXSUEL M. LÊNIHON