Ida à escola

21/11/2011 15:22

 

Ida à escola

 

            Fazia um calor danado. Dona Gertudres fora à escola saber como estavam as notas do seu filho. Esperou alguns minutos em frente a unidade até que viesse alguém abrir o portão. Foi à secretaria. Entrou. Um ambiente agradabilíssimo, onde passaria mais tempo esperando.

            D. Gertudres acomodou-se por ali até ser atendida. Na sala estavam: a) uma ruiva teclando nas redes sociais; b) uma moça aparentando trinta anos, grudada ao telefone; c) um homem de estatura mediana, em pé, grampeando alguns papéis; d) um nanico atrás da escrivaninha, lendo jornal. Fora com este último que D. Gertrudes tentara puxar conversa.

            − Bom dia – disse.

            O nanico se assustou. Parecia estar cochilando; deu um “bom dia” meio confuso. Bocejou. Voltou a ler o jornal. D. Gertrudes insistiu:

            − Moço, o senhor poderia me ajudar? Moço?

            O “moço” estava a ponto de roncar. Se fosse outro dia, o nanico já teria faltado com o devido respeito. Mirou a velha de cima a baixo. Alongou-se. Pôs o jornal sobre a mesa.

            − Pois não?

            O mau hálito quase derrubou D. Gertrudes, que tentou disfarçar.

            − Eu queria conversar sobre...

            O celular do nanico tocou.

            − A senhora me desculpe, é só um minutinho. –o nanico saiu da sala; voltou quinze minutos depois.

            − A senhora me desculpe. É família; a senhora deve saber como são essas coisas.

            D. Gertrudes sabia. Mesmo assim, quis xingar o funcionário. Não o fez. Reiniciou o diálogo:

            − Como eu estava dizendo, vim aqui pra saber sobre meu filho, o Belarmindo, conhece?

            − Conheço não. De qualquer forma, isso não é aqui comigo não, senhora. Eu sou só assistente. Quem cuida dessa parte é a Susana. Por favor, a senhora vá até aquela ruivinha que ela te atende.

            − Obrigado  –diz D. Gertrudes já impaciente.

            Foi até a ruivinha. A moça estava tão concentrada, fazendo coisa nenhuma, que D. Gertrudes teve de dar o seu “Bom dia” num tom mais elevado.

            − Bom dia, senhora. Desejas alguma coisa?

            − Sabe, é meu filho: Belarmindo, eu quero saber como ele está nos estudos.

            − Como? – diz a ruivinha, que não entendeu o nome.

            − Belarmindo. Bê-ê-éle-a-erre-eme-i-ene-dê-o: Belarmindo!

            − Sim, entendi. Em que ano ele estuda?

            D. Gertrudes não sabia. Era muito raro que fosse à escola. Não gostava de esperar. E agora, decidida a saber como o filho estava, lhe perguntavam o ano.

            − Olha, moça, eu lembro que ele me falou o ano passado que tinha ficado de exame. Isso ajuda?

            − Pouco  –balbucia a ruivinha de olho no Twiter.

            − Ele tem quatorze anos. –tenta a já cansada Gertudres.

            − Nono ano?

            −O quê?

            − É no nono ano que ele está?

            − Que diabo é isso de “ano”? Não é série?

            − Nono ano, senhora, antiga oitava série.

            − Hmrhmhrm.

            − Então?

            − Então o quê?

            − Ele está ou não no nono ano?

            − Acho que não, ele reprovou, parece, dois anos.

            − Assim fica mais fácil –afirma a ruivinha- Vou procurar aqui nos arquivos... A , B, C, D, achei, letra D.

            − Mas moça, meu filho é o Belarmindo, com B, B de bola!

            − Não é Delarmindo? Pensei que fosse. Não têm problema, aqui está a lista dos matriculados com a letra B, de bola.

            Susana começou a procurar “Belarmindo” na lista. Não encontrou. Belarmindo não era aluno da escola.

            − Como assim, “não é aluno”? Não pode ser, ele disse que estava matriculado aqui.

            − Desculpe-me senhora, mas aqui ele não estuda.

            A vontade de xingar a mocinha veio e voltou. D. Gertrudes foi bufando para a sua casa, com a paciência esgotada. Belarmindo estava sentado no sofá, jogando vídeo game.

            − Desliga essa porcaria, menino! Fui no “Gregório Matos” – nome do colégio- e disseram que você não estuda lá! Que isso agora, hein? Esta passando a perna na sua mãe?

            − Que Mané “Gregório Matos”, mãe. Saí de lá o ano passado; lembra que eu reprovei? Agora eu “tô” ali no Colégio Machado de Assis.

            D. Gertrudes percebera a burrada que tinha feito e prometera nunca mais ir à escola.