Ida à escola
Ida à escola
Fazia um calor danado. Dona Gertudres fora à escola saber como estavam as notas do seu filho. Esperou alguns minutos em frente a unidade até que viesse alguém abrir o portão. Foi à secretaria. Entrou. Um ambiente agradabilíssimo, onde passaria mais tempo esperando.
D. Gertudres acomodou-se por ali até ser atendida. Na sala estavam: a) uma ruiva teclando nas redes sociais; b) uma moça aparentando trinta anos, grudada ao telefone; c) um homem de estatura mediana, em pé, grampeando alguns papéis; d) um nanico atrás da escrivaninha, lendo jornal. Fora com este último que D. Gertrudes tentara puxar conversa.
− Bom dia – disse.
O nanico se assustou. Parecia estar cochilando; deu um “bom dia” meio confuso. Bocejou. Voltou a ler o jornal. D. Gertrudes insistiu:
− Moço, o senhor poderia me ajudar? Moço?
O “moço” estava a ponto de roncar. Se fosse outro dia, o nanico já teria faltado com o devido respeito. Mirou a velha de cima a baixo. Alongou-se. Pôs o jornal sobre a mesa.
− Pois não?
O mau hálito quase derrubou D. Gertrudes, que tentou disfarçar.
− Eu queria conversar sobre...
O celular do nanico tocou.
− A senhora me desculpe, é só um minutinho. –o nanico saiu da sala; voltou quinze minutos depois.
− A senhora me desculpe. É família; a senhora deve saber como são essas coisas.
D. Gertrudes sabia. Mesmo assim, quis xingar o funcionário. Não o fez. Reiniciou o diálogo:
− Como eu estava dizendo, vim aqui pra saber sobre meu filho, o Belarmindo, conhece?
− Conheço não. De qualquer forma, isso não é aqui comigo não, senhora. Eu sou só assistente. Quem cuida dessa parte é a Susana. Por favor, a senhora vá até aquela ruivinha que ela te atende.
− Obrigado –diz D. Gertrudes já impaciente.
Foi até a ruivinha. A moça estava tão concentrada, fazendo coisa nenhuma, que D. Gertrudes teve de dar o seu “Bom dia” num tom mais elevado.
− Bom dia, senhora. Desejas alguma coisa?
− Sabe, é meu filho: Belarmindo, eu quero saber como ele está nos estudos.
− Como? – diz a ruivinha, que não entendeu o nome.
− Belarmindo. Bê-ê-éle-a-erre-eme-i-ene-dê-o: Belarmindo!
− Sim, entendi. Em que ano ele estuda?
D. Gertrudes não sabia. Era muito raro que fosse à escola. Não gostava de esperar. E agora, decidida a saber como o filho estava, lhe perguntavam o ano.
− Olha, moça, eu lembro que ele me falou o ano passado que tinha ficado de exame. Isso ajuda?
− Pouco –balbucia a ruivinha de olho no Twiter.
− Ele tem quatorze anos. –tenta a já cansada Gertudres.
− Nono ano?
−O quê?
− É no nono ano que ele está?
− Que diabo é isso de “ano”? Não é série?
− Nono ano, senhora, antiga oitava série.
− Hmrhmhrm.
− Então?
− Então o quê?
− Ele está ou não no nono ano?
− Acho que não, ele reprovou, parece, dois anos.
− Assim fica mais fácil –afirma a ruivinha- Vou procurar aqui nos arquivos... A , B, C, D, achei, letra D.
− Mas moça, meu filho é o Belarmindo, com B, B de bola!
− Não é Delarmindo? Pensei que fosse. Não têm problema, aqui está a lista dos matriculados com a letra B, de bola.
Susana começou a procurar “Belarmindo” na lista. Não encontrou. Belarmindo não era aluno da escola.
− Como assim, “não é aluno”? Não pode ser, ele disse que estava matriculado aqui.
− Desculpe-me senhora, mas aqui ele não estuda.
A vontade de xingar a mocinha veio e voltou. D. Gertrudes foi bufando para a sua casa, com a paciência esgotada. Belarmindo estava sentado no sofá, jogando vídeo game.
− Desliga essa porcaria, menino! Fui no “Gregório Matos” – nome do colégio- e disseram que você não estuda lá! Que isso agora, hein? Esta passando a perna na sua mãe?
− Que Mané “Gregório Matos”, mãe. Saí de lá o ano passado; lembra que eu reprovei? Agora eu “tô” ali no Colégio Machado de Assis.
D. Gertrudes percebera a burrada que tinha feito e prometera nunca mais ir à escola.