Criatura Esquisita

09/03/2012 12:04

 

 

“Deus não acredita em Deus” (David Maxsuel Lima)

 

Eu já tinha ouvido muitos comentários a seu respeito, apelidaram-no de Incógnita. O mistério pairava sobre os seus ombros, sua face conservava um quê de inquietude; não havia palavra que o definisse. Seus passos eram tortos, excessivamente irregulares, não conseguia atingir dez metros em linha reta. Os livros o acompanhavam feito cachorro de estimação, daqueles que só abanam o rabo ao escutarem o assovio do dono.

A sua inteligência jamais fora contestada, embora os momentos em que se expressava oralmente rareassem. Tinha mania de perfeição, contudo mostrava-se negligente quanto às vestimentas; era, sem dúvida, impaciente. Em certa ocasião, estávamos reunidos num circulo de amizade e ele revelou-nos não acreditar em Deus. Ateu, perguntamos. Não, agnóstico, foi a resposta.

O silêncio, presença constante no seu olhar, impunha respeito. Mesmo num curto diálogo, onde éramos agraciados com dois ou três monossílabos, nos sentíamos fuzilados por suas pupilas brilhantes. Criatura esquisita, disse certo colega, criatura esquisita que gosta de ler, completou.

 Gozava de uma situação invejável; nele estavam, aos nossos olhos, as respostas dos mais significantes enigmas do homem: a vida, a morte, o silêncio e a liberdade. Sabíamos bem, dependendo da sua expressão facial, quando convinha iniciar uma conversa com ele. Por alto, fomos informados que ele fora um dos asilos da angústia durante um par de anos; ao certo, o motivo de tal sentimento não chegou a nossa atenta audição. Discutimos certa vez a probabilidade de a Incógnita ter, ou não, tendências suicidas – ficamos sem conclusão, restou-nos novo enigma.

Desapareceu, a Incógnita, como vento à linha do horizonte. Outro dia, vi uma fotografia do nosso personagem no jornal, cometera suicídio. Ninguém, além de mim, sabia que aquele era Deus.

 

Maxsuel M. Lênihon