As faces da Globalização

15/09/2011 16:57

           

             A globalização faz parte da evolução humana. Sempre fez. Desde os primórdios da civilização, através das técnicas de conquistas e conflitos, o homem buscou ampliar seus domínios, portanto, tratar o tema como algo recente é um erro. Embora de inicio a visão de mundo fosse outra, já podemos tratar a tentativa de exploração do homem pelo homem como “ancestral” do atual sistema, dito global.

            A evolução do globalismo que fez-nos chegar ao presente estágio do processo pode ser fragmentada em várias etapas, a primeira e decisiva, no entanto, ocorreu no inicio do século XVI, com as Grandes Navegações, momento em que os europeus ficaram vislumbrados com as perspectivas de desenvolvimento e os prodígios que poderiam ser alcançados com a exploração do então “Novo Mundo”.

            Entender o processo histórico é essencial para que possamos avaliar criticamente a globalização. A explosão do tema a partir da década de 90 tem levado muitas pessoas a cometerem equívocos quando o assusto é globalismo. A difusão de ideologias através de veículos de mídia faz-nos crer que não há outro caminho senão nos rendermos ao mundo globalizado, onde as desigualdades sociais são camufladas e somos apresentados a uma falsa globalização: o mundo interligado, facilidades na comunicação, competitividade e perspectivas de desenvolvimento econômico e social.

            Os intelectuais que discutem o globalismo, em sua maioria europeus e norte-americanos, colocam o processo (histórico) como inquestionável e irrevogável, não abrindo espaço para questionamentos e excluindo a possibilidade de se seguir caminhos alternativos. Na contramão dessa ditadura intelectual-global está o geógrafo brasileiro Milton Santos, respeitado tanto no Brasil quanto no exterior, que trás a tona através do livro Por Uma Outra Globalização ( Santos, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 16ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 2008. 174 p.) uma nova visão do global, onde expõe sua visão a respeito desse sistema.

            O livro está dividido em três centros de debate. Primeiro o autor discute sobre a globalização como fábula, a imposição. Num segundo momento, Milton Santos discursa a respeito da verdadeira globalização, sua face perversa. Em último instante, mostra-nos “o mundo tal como ele pode ser: uma outra globalização” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 18).

            “A ênfase central do livro vem da convicção do papel da ideologia na produção, disseminação, reprodução e manutenção da globalização atual” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 14). Um tanto utópico, Milton Santos vê a globalização como um processo reversível, mas não trata-se daquela utopia ufanista, pelo contrário, a utopia do autor consite mais em “um sonho de consumo”, longe da realidade, porém possível, como, com outras palavras, ele se justifica no decorrer da referida obra.

            A dominação do globo dá-se por meio da imposição, para impor qualquer coisa é necessário um poder central, o Estado. Então porque “vemos” a fragmentação do Estado e o prenuncio de sua morte? Se conseguirmos nos desprendermos da rede alienada notaremos que o Estado, nos países desenvolvidos sobre tudo, seguem com força total, ou seja, “(...) o que estamos vendo é seu fortalecimento para atender aos reclamos da finança e de outros grandes interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populações cuja vida se torna mais difícil” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 19).

            A estratégia de “sacrificar” o Estado nos países subdesenvolvidos visa tão somente a conservação das nações pobres. Assim, os países com alto grau de desenvolvimento afastam um dos riscos a sua hegemonia: a concorrência.

            A globalização mais humana, proposta por Milton Santos, torna-se cada vez mais inatingível (não impossível) conforme se vai alcançando o “ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 23), ou seja, a medida que a exploração aumenta, o crescimento socioeconômico dos países subdesenvolvidos torna-se mais difícil e a hegemonia dos países ricos é mantida.

            O conto de fadas em que somos obrigados a acreditar vem a ser outra forma de imposição. As técnicas que possibilitam hoje, de certa forma, “a simultaneidade das ações e, por conseguinte, a aceleração do processo histórico” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 25) é vista como sinônimo de globalização, fato que confirma a manipulação de ideias, impedindo que discutamos as verdadeiras conseqüências do mundo interligado. Assim, a aparência tende a alienar-nos, ficamos sem saber dos pormenores penosos do sistema vigente.

            Outra forma de imposição, tida como sinônimo de globalismo, é o motor único, citado por Milton Santos, em que somos levados a acreditar na homogeneização do mundo e na mundialização da técnica, quando na verdade, o que percebe-se é o aumento das desigualdades conforme o processo globalizador avança. Milton Santos ressalta que “(...) em nenhum lugar, em nenhum país, houve completa internacionalização” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 30), confirmando assim a existência da fábula global.

            Com a instalação da economia globalizada, abriu-se espaço para as crises. Em tese, com a globalização, a crise torna-se uma constante, os períodos em que não há instabilidade financeira, vão, aos poucos, se extinguindo. “O processo de crise é permanente, o que temos são crises sucessivas. na verdade, trata-se de uma crise global, cuja evidencia tanto se faz por meio de fenômenos globais particulares, neste ou naquele país, neste ou naquele momento, mas para produzir o novo estágio de crise. nada é duradouro” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 35).

            Na globalização, os canais de comunicação são impulsionados, com isso a manipulação das informações também aumenta. “O que é transmitido para a humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 39). Em virtude dessa confusão, temos visto a disseminação da ideologia da Globalização Perfeita, sempre em beneficio da Humanidade, enquanto os prejuízos acarretados por elas são ocultados.

            Embutida a perversidade da Globalização está a “(...) morte da Política (com P maiúsculo) *, já que a condução do processo político passa a ser atributo das grandes empresas” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 60). Essas grandes empresas, cada vez mais poderosas, não necessitam de uma estrutura social adequada para expandirem-se, pelo contrário, tendem a escolher territórios fracos politicamente e fragmentá-los cada vez mais, e caso o Estado impunha leis mais rígidas, estas podem pressionar o governo ou simplesmente retirar-se do país, transferindo-se para um lugar mais propicio a sua exploração, deixando a nação mais enfraquecida. “A globalização mata a noção de solidariedade, devolve o homem à condição primitiva do cada um por si e, como se voltássemos a ser animais na selva, reduz as noções de moralidade pública e particular a um quase nada” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 65).

            Milton santos ressalta que “(...) no mundo da competitividade, ou se é cada vez mais individualista, ou se desaparece” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 67), quer dizer, voltamos a lei da selva, onde quem vence é o mais forte e a derrota tem sabor amargo. Onde a vitória depende cada vez mais em aumentar os níveis de exploração, sem exploração não há mercado global.

            Em Por uma outra globalização, o papel do Estado é destacado. A morte do Estado é uma farsa. Para que o caos não se instale por completo o Estado tem de resistir, caso isso não ocorra, as “rédeas globais” passarão para as mãos das empresas, onde a ambição não tem limites, premeditando assim o aniquilamento do social e a consternação do eterno estado de crise.

            Quando aludo a Milton Santos como um sonhador, estou me referindo ao caminho que segue seu discurso na terceira parte do livro, onde ele nos apresenta a outra globalização. Nesse momento, o autor abre espaço para a utopia, onde “estaríamos na aurora de uma nova era, em que a população, isto é, as pessoas constituiriam sua principal preocupação, um verdadeiro período popular da história, já entremostrado pelas fragmentações e particularizações sensíveis em toda parte devidas à cultura e o território” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 119).

            Não acredito particularmente na reversibilidade do processo de globalização, mas na estabilização do mesmo. O Estado, com toda sua força, tem a capacidade de organizar-se, limitar a exploração, já que é impossível extingui-la. Quanto a economia, a idéia de bloco já esta consumada. A união entre países minimiza os efeitos das sucessivas crises. A globalização pode tornar-se menos perversa.

            Como explica Milton Santos, “uma outra globalização supõe uma mudança radical das condições atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem.” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 147). Neste trecho é visível o lado utópico do autor. Sugerir uma mudança radical significa reestruturar a base do sistema capitalista, algo, hoje, inimaginável.

            A medida que se aproxima do fim, o discurso aprofunda-se na utopia da globalização socialista; isso não significa que devemos desconsiderá-la, agindo assim estaríamos nos juntando a camada alienada que, letrados, mas não intelectualizados, são levados a pensar em uma mão única, imposta pelos globalizadores (Europa, Japão e Estados Unidos).

            A conclusão a que se chega é que a “globalização atual é muito menos um produto das ideias atualmente possíveis e, muito mais, o resultado de uma ideologia restritiva adrede estabelecida” (Milton Santos. Por uma outra globalização. 16ª edição. Rio de Janeiro, Record, 2008, p. 159). O globalismo não deve ser tido como mão única, mas também não podemos dissolver a ideia de sua irreversibilidade, pois assim sendo, estaríamos radicalizando e fugindo muito da realidade. A fuga é inviável. A visão crítica e o pensamento além são caminhos coerentes para questionarmos sempre e não aceitarmos tudo que é posto a nossa frente.

           

*O Brasil é um caso particular, onde não podemos tratar da morte da política, já que ela nunca existiu, o que aqui chamam política, confunde-se com a malandragem do brasileiro, com a politicagem, tendo como conseqüência esse sistema político, decadente, sempre em crise.

 

Autor: David Maxsuel Lima