Apenas Chorar

17/03/2012 14:30

Apenas Chorar

Um dia desses, qualquer dia, aprendo a chorar. Seja por ato insignificante, seja por ócio, chorarei demoradamente. O remédio caro, o estômago  vazio, chorarei sem hesitar. O martelo no dedo, o espinho no pé, chorarei: choro exagerado. Um não maldito, uma demissão, chorarei por chorar. Na falta de um beijo, na chuva ausente, chorarei como um ninguém. Um defunto, quem sabe, uma flor que nasce, chorarei à vontade. Na manchete do jornal, na dor da criança, meu choro solitário. Desastres naturais, um natimorto, chorarei até querer mais. Obstáculos, vaias, chorarei feito louco. Pequena queimadura, fim de um lar, chorarei. Suicídios, roubos, chorarei com por quê. Menor abandonado, injustiças toleráveis, , chorarei: lágrimas descompassadas. O pão que não veio, o amargo café, chorarei à manhã. Acidente, dente partido ao meio, chorarei, até breve. Cortina fechada, sol entre nuvens, chorarei em público! Amor incompleto, porta cerrada, negações, chorarei na ausência da lágrima. Comentários inúteis, futuro, chorarei por vocês. Besteiras, sob palavrões, chorarei: pequeno grito à liberdade. Viagem, saudade, chorarei automaticamente. Olheiras, feiura, um choro, um sopro. Angústia, humanidade, sim, chorarei. Céu, terra, água, chorarei: pranto em vão. Mas chorarei. Discos voadores, leite, mundo, chorarei: modesta homenagem. Luz, inferno, chorarei: chama vermelha. Sal, literatura, chorarei: prova de submissão. Orgulho, sonho, luta, chorarei em prol do nada. Grito, susto, suco de laranja, chorarei: lágrima, doce lágrima. Alma, pecado, tempo, chorarei: pó da pedra drummondiana. Cabelos, olhares, gestos, chorarei: amargo aconchego. Hoje, sexo, carne, chorarei à beira do precipício. Espirro, cuspe, bocejo, chorarei: sinal de poder. Língua, lama, seca, chorarei sem dificuldades. Egoísmo, entusiasmo, crepúsculo, chorarei e nada mais. Música, mãos, rua, soluço, chorarei: dor mais amor. Paz, religião, eu, chorarei: contradições. Política, civilidade, sorte, chorarei: burrice. Coesão, nexo, erro, chorarei incompreendido. Tijolos, livros, papel, chorarei: cena estática. Gás, cama, escrivaninha, chorarei: meu veneno. Pó, poema, fim do mundo, chorarei: ambiguidade inexistente. Conhecimento, poesias, traço, chorarei: mais longe, mais perto. Um dia desses, qualquer dia, aprendo a chorar. Apenas chorar.

 

 

Maxsuel M. Lênihon