A personagem

03/11/2011 16:03

A PERSONAGEM

 

            A meiga menina fez-me uma pergunta a respeito de certa personagem presente em minhas crônicas. Indagou-me se minha “loirinha” tinha sido inspirada na garota do sorriso avassalador. Eis que eu, maldoso, não respondi nem que sim nem que não. Ela, por sua vez, não se deu por satisfeita.

            É previsível que toda personagem fictícia tenha um “quê” cotidiano. A crônica trás a vantagem de a gente poder transformar pessoas comuns, fatos simples, em um plano imaginário ao alcance das mãos. Eu, por exemplo, além de escritor, sou também personagem. Cada pessoa lê meus escritos de um modo particular, portanto, único. Há em seu imaginário uma entonação de voz mais grave ou aguda, um físico de narrador que, normalmente, tem idade mais avançada do que este que vos escreve: jovem imaturo.

            Nesse espaço fictício, uma história começa.

            Anteontem, Dayara, por força do hábito, cumprimentou-me e, para meu espanto, prolongou a conversa por mais alguns instantes. O papo era sobre bate-papo. Ficara acertado que entraríamos num desses programas de mensagens instantâneas na tarde de ontem. Ela não pôde conectar-se. Ficou aquele fio de dúvida pairando entre meus pensamentos, embora soubesse perfeitamente o assunto que iríamos tratar: minha personagem.

            Hoje, justamente hoje, ela estava on-line e fez a, no mínimo, indelicada pergunta: “A personagem da crônica é a...? Como você, leitor, já sabe, tratei de confundir a moça. Disse que minha personagem bem poderia ser inspirada nela: Dayara. A dona daquele belo sorriso deve ter, por instantes, se questionado: “Mas ela é loira – a personagem- e eu sou morena!? Não deu outra, a mensagem seguinte confirmou o que eu pensara: “Eu posso ser uma personagem?” Minha resposta foi imediata: “Claro que pode!”.

            Dando continuidade a conversa, argumentei que era impossível minha criação ser a “...” já que cada leitor “faz”, por conta própria, a  personagem a sua maneira.

            Quanto a você, Dayara, já és uma personagem. Mas a tal crônica que lhe prometi poderia começar assim:

            “Seus lábios como foco, o brilho em seus olhos, seu delicado caminhar. Tom de voz único, revezando entre a pureza divina e terrena. O cabelo, liso, brilhante, deixava-se tocar por delicadas mãos. Toda extrovertida, no entanto, não deixando esconder seu modo romântico de ser. O que há demais em ser romântica? Só ela poderia responder-me. Sim, linda, com certeza. Uma beleza incompreensível. O encanto: instantâneo. Mas para que explicações? Ela, como dizer?, não é Ela. O sentimento é puro –o que sinto pela minha personagem, não vêm ao caso.

            A crônica nunca terminará. Não se saberá, jamais, qual o sentimento. O narrador pode, ou não, ser o próprio autor. Mas quem sou eu para saber? Sou mais um personagem. E acabou.

Avenida Nicolau Otano, 01 de Novembro de 2011.