A CRONISTA E O MENTIROSO

12/09/2011 14:48

− Amor, você se lembra da nossa primeira vez?

− Claro amor, nós éramos virgens, nem eu nem você sabíamos bem o que fazer, mas fomos aprendendo e o resultado está ai, nossos lindos filhos, casados e com filhos também.

− É, hoje faz cinqüenta anos que transamos pela primeira vez. É uma data memorável que merece uma comemoração.

− Você se lembra de tudo hein? Mas eu também tenho boa memória. Hoje faz quarenta anos que você me traiu pela primeira vez.

− Credo, amor, eu jurei nunca te trair e sempre cumpri esse juramento, de onde você tirou essa idéia?

− É que hoje faz quarenta anos que você não dormiu em casa pela primeira vez. E quando voltou tinha mancha de batom no colarinho, além de cara de cachorro manso.

− Mas eu te disse que era um mal entendido. Eu expliquei a você que a camisa não era minha, que eu fui assaltado, e ainda te disse que o ladrão era aquele nosso vizinho, como era mesmo o nome dele?

− Ronaldo.

− está ai um cara estranho, olhava-me sempre torto, parecia até querer me dizer alguma coisa, tinha medo dele. Naquela noite, há quarenta anos, ele veio correndo atrás de mim, eu corri o mais rápido que pude, depois não agüentei, ele me alcançou. O desgraçado pegou minhas roupas, meus sapatos, e depois fugiu. Eu fiquei ali na praia, só de cueca e meias. Daí... Você se lembra do restante da história que te contei a quarenta anos?

− Um pouco.

− Daí chegou um amigo meu e perguntou se eu precisava de ajuda. Respondi que sim, então fomos até a casa dele. Quando vi já passava das três da madrugada, eu estava meio tonto, porque quando o Ronaldo me assaltou ele me deu uns socos e tudo. Daí eu não voltei pra casa. No outro dia eu te contei tudo, lembra? Eu não te trai amor, eu juro, eu juro!

− Era tudo mentira!

− Não. Não era não!

− Quando você me contou essa história, e já faz quarenta anos, eu pensei que você seria um grande cronista, por isso fingi que acreditei. Mas o tempo foi passando, passando, e você não era um cronista, era um mentiroso!

− Eu não menti! Espera, porque você acha que eu menti?

− O Ronaldo te vigiava pra mim, e naquela noite me contou que você tinha saído com um amigo e estava bêbado num bar. Eu fui até lá e vi você e mais seu amigo saindo, eu segui vocês, quando chegaram na praia vocês pegaram duas mulheres e seguiram para um motel.

− É amor, desculpa vai? Foi só uma vez em mais de cinqüenta anos!

− Não tem problema!

− Não?

− Não; depois que vi aquela cena, voltei pra cãs, chamei o Ronaldo e transamos a noite toda. Hoje, amor, faz quarenta anos que estou transando com ele. E tem mais, saber o Manuel? Ele não é teu filho.

− Meu Deus, tudo isso é verdade mesmo? Me diz, rápido!

− Não, mas poderia ser, eu sou cronista seu besta, não se lembra?

− Graças a Deus!

                                                                                                                                          

Questionário a respeito da crônica:

  • A cronista traiu ou não traiu o mentiroso?
  • Ronaldo existiu ou foi invenção dos dois?
  • Manuel é filho do mentiroso?
  • O mentiroso é mentiroso ou cronista? Porque?
  • A cronista é mentirosa? Justifique.

 

Amambaí, 01 de Setembro de 2011.