A CRÔNICA É UMA GRANDE MENTIRA
O cronista é um mentiroso profissional. Mas se engana quem pensa que é fácil mentir, ainda mais mentir todos os dias e organizar as mentiras de tal forma que elas pareçam verdades aos olhos dos outros. Caminhando por ai, deparei-me com um cronista, naquele tempo eu era muito curioso, queria saber o porquê de tudo e quando vi o cronista fui logo perguntando como ele virou cronista. Ao que ele disse:
− Bom, meu jovem, eu, na verdade, comecei mentindo, só depois é que eu virei cronista.
− E quando foi isso?
− Foi quando eu tinha sete anos. Minha mãe pediu que eu fosse no mercado. Na volta, disse a ela que o mercado estava sendo assaltado, minha mãe desconfiou e disse que eu era um mentiroso.
− E ai, o que você fez?
− Fui para o meu quarto, peguei um lápis e um papel, e escrevi como o mercado tinha sido assaltado.
− Mas então você é mentiroso?
− Não, depois daquele dia eu nunca mais menti, eu só escrevi meias mentiras. Depois descobri que era cronista. Entendeu?
− É meio confuso, não é?
− É rapaz, vai aprendendo, a vida está cheia de verdades que não aconteceram.
Depois de conversar com o cronista continuei caminhando, lembrei de um caso parecido que havia acontecido comigo na infância, mas logo esqueci. Fiquei pensando no que o cronista disse: “A vida está cheia de verdades que não aconteceram”. E também refletindo sobre aquele negócio de organizar as mentiras. Decidi então virar cronista.
Continuei a caminhar, decidido que seria cronista fui registrando cuidadosamente oque via e, as vezes, o que não via.Minhas primeiras crônicas eram muito mentirosas (ou muito verdadeiras), por que não consegui organizá-las direito. Com o passar dos anos, fui aprendendo a organizar as mentiras e até escrevi em algumas crônicas que a vida está cheia de mentiras para se contar.
E nesse momento chega aqui em casa um repórter perguntando:
− Quando você virou cronista?
− Depois que aprendi a organizar as mentiras. – Respondi confiante.
− Você é um mentiroso?
−Não –respondi- eu só organizo as mentiras.
Já estava meio distraído quando o repórter pediu que eu terminasse a entrevista com uma definição de crônica.
− As mentiras, meu caro, estão por todos os lados, mas muitas vezes precisamos reinventá-las, organizá-las (tornando-as verdades), e esse é o trabalho do cronista. As mentiras ditas não podem ser medidas com precisão, mas a crônica, a crônica sim, a crônica é uma grande mentira.
Amambaí, 01 de Setembro de 2011.