A crônica tem que dormir

17/02/2012 10:45

A CRÔNICA TEM QUE DORMIR

 

 

Não matar, não sangrar a palavra: impossível. Sacrificá-la a todo custo, uma arte desenhada sobre o silêncio. Explorar cada pedaço do chão poético, cada vírgula instantânea dos feitos literários. Não ousar abrir a janela e respirar literatura. O mundo é feio e escrito, só nos resta reescrevê-lo, apontar os erros, grifar as partes mais importantes, cortar pronomes em excesso, rasgar páginas inúteis, borrar palavras simplesmente bonitas com a lágrima mais consistente. A vida pede letra.

 A morte pede letra. O carro que passa não merece um ponto de exclamação. As letras também desabam, contudo é com a ajuda do imprevisto, da transpiração, que o escritor esboça uma avalanche sobre o seu público. Com um gesto modesto, com um chute escandaloso se molda o texto. O espaço é limitado, pois literatura é coser limites.

Amanhã não escreverei, só apalparei o sexo das letras. Amanhã não ameaçarei a página branca, apenas escreverei no vento o assunto que respingou no meu dia. Amanhã não ganharei um poema, nem tentarei prendê-lo à tinta preta; deixarei o verso solto, para que rasgue a face de outro alguém.

Não adiantará derrubar o pé das letras se não consegues colher os frutos ainda verdes. Não poderás rubricar um parágrafo se não tiveres consciência do valor do verbo. Não conquistarás aplausos se por ventura perder a batalha contra o Eu, contra a palavra de ordem: instigar.

Quando o dano não puder ser evitado, escreva. A pressa é amiga da incompreensão, vigie-se. Rabiscar, soldar, cortar, mudar, mudar e mudar, são partes fundamentais de um escrito. O bom é sempre entediante, lembre-se. O texto deve dormir um pouco, descansar logo após nascer, bocejar o tempo que for necessário; posteriormente, as palavras ressuscitarão para o eterno frescor. Texto tem que ter cheiro de novo, cheiro de eterno aprendizado.

Dormiu a crônica, acordou o leitor.