A Velha Educação
A VELHA EDUCAÇÃO
Nos bastidores:
− Conheces a velha Educação?
− Conheço.
− Andam dizendo que ela morreu.
− Coitada!
− Coitada, nada. Já foi tarde.
− E quem vai tomar o lugar dela agora?
− Isto eu não sei.
Na ida:
− Não dá pra fazer mais nada.
− Como assim?
− Não tem mais jeito, essa velha já está morta.
− Tente reanimá-la.
− Já tentei, excelência. Ela morreu, conforme-se.
− E o que digo à sociedade?
− Diga a verdade: a culpa é nossa.
− Vire essa boca pra lá! Era só o que me faltava.
− Mas se a culpa não é nossa, a culpa é de quem?
− Não sei, mas uma coisa é certa: você procurará um culpado por essa desgraça.
− Por onde começo?
− Pela gestão anterior, claro!
− Está bem, tchau.
− Espere. Não diga a ninguém que a velha está morta. Quando voltar, traga o que lhe pedi.
− Sim, chefe. Estou indo.
− Espere que ainda não terminei. Espalhe por ai que a velha está evoluindo.
− Como assim?
− Diga ao povo que a velha está cada vez melhor. E não esqueça de colocar a culpa na gestão anterior. Diga que estamos trabalhando muito, fazendo o possível para que ela se recupere. E, o mais importante, não deixe ninguém saber que essa desgraça morreu.
− Pode deixar comigo. Mais alguma coisa?
− Só isso. Agora vá, peste.
Nos arredores:
− A velha Educação, a cada dia que passa, está melhorando, você não acha?
− Não só acho como tenho certeza.
− Agora sim, a coisa vai pra frente.
− Que assim seja!
− E será –se Deus quiser.
− Mas andam dizendo que ela morreu.
− É intriga da oposição; desses vadios que não tem nada pra fazer.
− Há de ser isso mesmo.
− É claro que é. E o que mais podia ser? Hein? Não esquente a cabeça homem de Deus! A velha, daqui uns dias, sairá correndo feito louca.
− Tá bom. Eu deveria saber que as coisas tão melhorando. Mas o senhor sabe como é o povo: fala tanta besteira que a gente acaba acreditando.
− Sei como é. Mas fique sossegado.
Na volta:
− Cheguei, chefe.
− Como se eu não estivesse vendo.
− Já espalhei a mentira. Agora todo o mundo tá achando que a culpa é da gestão anterior. E tem mais: tratei de convencer eles de que era mentira que a velha tinha morrido. Agora eles estão pensando que ela tá cada vez melhor.
− Era tudo o que eu queria ouvir.
− Mas ela tá morta mesmo, hein? Essa podridão tá cheirando, senti lá de fora.
− Fale baixo para que ninguém ouça.
− Sim, desculpe-me.
− Trouxe o que lhe pedi.
− O caixão?
− Não, idiota! A maquiagem.
− Ah... , sim, aqui está.
− Tire isto de perto de mim. Não quero que ninguém saiba que estive envolvido nisso. Trate de maquiá-la.
− É pra já.
No fim:
− Acabei, excelência.
− Maquiou tudo?
− Sim, olhe. Nem parece que ela está morta.
− Pior que não. Se eu fosse néscio, nem teria percebido.
− Isso é uma indireta, não é?
− Imagine! Mas que o trabalho ficou bom, isso sim.
− Mas com o tempo, será que ela não apodrece?
− Quando isso acontecer, não estarei mais aqui.
− Só o senhor pra rir duma coisa dessas.
− E você acha que o eleitorado não faz a mesma coisa?
− Isso é verdade.
− Esta maquiagem é das boas, não é?
− Da melhor qualidade. Posso lhe contar uma piada?
− Numa hora dessas. Está bem, vai, conte. Mas só se for boa.
− E se, ao invés de dizer que a velha está evoluindo, dissermos que ela está tendo convulsões?
− Depois sou eu o sarcástico aqui, né?
− Posso encomendar o caixão?
− Por mim, tanto faz. Só peça que entreguem depois que minha gestão acabar.
− Deixe comigo.