Um entediado

23/01/2012 15:44

Um entediado

 

Como se a vida não fosse, assim, tão viva. Pensou em suicidar-se hoje, mas adiou o caso para a semana próxima. Decidiu abandonar os estudos, desistiu por não achar nada certo. Quis tatuar alguma coisa em algum lugar, por causa da indecisão, nem chegou à porta do tatuador. Iria cursar Jornalismo, optou por Direito, sabendo, desde já, que não chegaria a concluir o curso. Mudaria de cidade, perambularia pelo mundo; não deu, contentou-se com os oitenta e três quilômetros que separam sua cidade de origem do seu novo lar provisório. Amanheceu bem outro dia, dormiu mal como sempre. Viu-se entre quatro paredes amarelas lendo um livro do Carlos, o Drummond de Andrade; achou que tinha chances como escriba: não tinha. A política apareceu mostrando suas garras e oferecendo-lhe mundos e fundos: não foi eleito – política nunca mais, concluiu. À sua frente, apareceu uma menina linda, não era menina nem linda, e depois desapareceu: mais um amor platônico – o que deixou de ser amor. Fugiu de si e encontrou-se com o espelho: quebrou o espelho. Voou até Londres e passou por Praga, voltou ao Brasil menos revoltado, mais entediado. Procurou um hematoma que não existia, bateu a cabeça no muro branco, assistiu a uma lagartixa prevendo o pôr-do-sol. Primeiro acreditou em Deus: católico; segundo não acreditou em Deus: ateu; terceiro duvidou de Deus: agnóstico – e assim seria para todo o amanhã. A oportunidade surgia, ele fugia. Não aprendeu a ser livre, busca uma liberdade, assim, sem ter ideia do que isso seja realmente. Teve um pensamento intragável: que tal matar o presidente? Logo teve outro: que tal não matar o presidente? Optou por nenhuma das alternativas, como de costume. Não levava a vida: chutava-a. Não chutava a morte: levava-a. Tinha um defeito: era humano. Tinha uma qualidade: era humano. Tinha mais que isso: tinha a pergunta para todas as soluções. E fugia da liberdade para ser livre.