Triste Metamorfose

24/10/2012 17:14

TRISTE METAMORFOSE

 

Prostituição

 

Naquela manhã de domingo, enfeitada com nuvens cinzas um tanto mais baixas que de costume, o corpo esquálido da jovem prostituta, quase que totalmente desprotegido de qualquer intempérie, se encolhia ao mais leve contato com a chuva, tremia em meio às rajadas de vento. O dia se recusava a prosseguir, o domingo aparentava uma eterna madrugada, com seus uivos distantes, seus perigos iminentes, seus cochichos ao pé do ouvido. Era como se a noite ainda se despedisse, amarga. O dia como que saía de um poço lúgubre. Os pássaros substituíam os morcegos. Um solzinho tentava inutilmente conquistar o espaço perdido. Soava o sino, distante, preguiçoso: seis horas. A pobreza gemia próximo aos bueiros. A prostituta aparece à esquina, findo mais um turno, extirpada a pouca esperança.

Ela caminha com dificuldades. Os cães latem, assustados, famintos. Dissipam subitamente as nuvens, sob a luz do sol, a prostituta se transforma em mendiga. Triste metamorfose. Ela geme, ninguém percebe.

Cinco horas antes o mesmo corpo atendia às necessidades dos homens, a fina voz feminina se transformava no mais inconfundível grito de satisfação, mesmo que oriundo de uma alma cuja sorte fora lançada ao beco das falsidades. Foram cinco programas em cinco horas, o mal tempo a surpreendera à saída do prostíbulo.

Seguia pensativa com uma significante quantia em dinheiro, guardado no bolso da minúscula saia. A maquiagem como que desfigurava seu rosto após o indesejável banho de chuva. O cabelo louro, com uma destacada mecha azul, maltratado pelos suores da noite, lhe dava certo ar de simplicidade e, concomitantemente, acusava sua condição, o dever de satisfazer o desejo a custos mínimos.

Meia dúzia de moleques a avistaram no momento em que seguiam sorridentes para a escola, a pular entre as poças d’água, todos devidamente trajados, de uniformes azuis, calças jeans e horrendos sapatos marrons. Olharam-na em silêncio por longos segundos. Em seguida, lhe apontaram o dedo, a gritar impropérios. Ela, sem disfarçar a humilhação, baixou ainda mais o olhar, apressou os passos rumo ao quarto onde buscava encontrar uma equivocada felicidade – também denominada descanso.

Curvou-se um pouco para agarrar um galho seco, o introduziu por uma fenda na porta, com o fim de girar a tramela e entrar no seu lúgubre quarto.

Entrou, se lançou à cama. Chorou, e ninguém percebeu.

 

Heitor Bállis Lênihon