Porcos Selvagens (Parte I)

19/03/2012 15:34

Porcos Selvagens (Parte I)

 

Era uma morada calma e pouco atrativa, havia poucos vizinhos, casas esparsas. Água caía todos os dias, chuva não faltava. A lama fazia parte do dia a dia, os cachorros molhados pertenciam ao cotidiano daquele lugar. Sapatos apodrecendo no varal, roupas encardidas e chinelos fisicamente inutilizáveis completavam o cenário do modesto lugarejo. Pássaros, por motivo ainda não explicitado, não pairavam sobre o local; onças mortas constituíam sinal de glória, grande honra. Existia um rio, sim, contudo nada turístico. Ali as moçoilas, como antigamente, esfregavam, batiam, torciam, as roupas e acomodavam-nas sobre uma breve e lisa tábua de madeira. Os homens chegavam à noite, logo após a caçada. Porcos selvagens: um prato que já fazia crianças exclamarem, “De novo”.

Durante uma caçada, o homem velho contou a história que agora transcrevo:

“Foi por aqui mesmo, meu guri, que aconteceu o caso. Diz que a mulher correu pra cá porque o marido queria matá-la. Enquanto ela corria, aos trancos e barrancos, com o filho novinho, mal completara um ano, o homem bebia mais um pouco de pinga pra poder pegar a moça. A moça corria, corria mesmo, não houve quem pudesse explicar como uma mulher daquela, fina que nem palito, desengonçada, conseguiu correr daquela maneira. Mas o marido também, todo trôpego, pegou o facão e se embrenhou no mato atrás de sua rapariga. A moça caia e levantava, o suor corria pela face, ela limpava com a manta da criança, olhava pra trás e via o facão vapt-vupt entre a folhagem. Foi uma perseguição boa que só vendo. Quando um alargava os passos o outro fazia o mesmo. Não daria pra apostar ao certo, assim, quem iria ganhar. Não dava mesmo, porque a vantagem ora era do bêbado ora era da mulher com o filho no colo. E foi a melhor caçada que já houve por essas bandas. Se o bêbado pegasse a mulher, seria honra maior que matar onça. E olha que onça é bicho ligeiro, selvagem que só. Mas continuando. O homem parou de repente, a mulher percebeu e parou também. Ela mais o bebe ficaram girando, girando, que nem mostra naqueles filme da televisão, sabe como é? Então. E os gritos da selva impunham medo, mas medo grande. A mulher respirou fundo, olhou pro filhote que tinha e deu um grito que a floresta não pôde sufocar. É que o bebê estava com a cara arranhada e sem vida, gente. Não estou mentindo não. Tinha os olhos esbugalhados, a pelezinha roxa, roxa. Foi a natureza que matou, a natureza aqui no mato é mais malévola. A coitada desmaiou ao ver o filho daquele modo horrível e insuportável. Desmaiou depois do grito. A partir daqui é que a história ganha dois rumos. Mas o resto eu vou contar depois porque estou sentindo cheiro de porco selvagem. Vamos caçar molecada que os meninos já estão disputando o escasso leite da mãe velha.”

 

 

Continua...