Parece Amor

17/01/2012 14:36

   Parece amor

                Palavras mudas, os cães latem. O homem não anda, corre. A mulher não anda, desfila. Ambos vivem. A porta da geladeira está fechada; um cá, outro lá. Homem e mulher ficam procurando algo no refrigerador. Não há nada. Eles assistem televisão e tomam cerveja. Um aqui, outro ali.

                O programa é o mesmo; a distância é a mesma. E por isso ninguém cede. A noite é burra e os cães já não ladram. O tédio é o norte de toda saudade. Homem e mulher beijam o espelho. A mulher é feia, o homem é feio, a vida é feia. O álcool é o suco d’alma e eles –homem mais mulher- bebem.

                Todos estão cansados porque a lua não apareceu. O céu está doente e sem estrelas. Homem e mulher fritam ovos e sujam seus fogões. Falta sal no mundo, nos dois, nos ovos, na noite. A mulher canta Eduardo e Mônica. O homem canta Que país é este? Enquanto o amor não vem, há paixão e revolta.

                Ela está chateada; ele não se importa. A luz está acesa e a roupa neutra esconde a nudez do casal escuro. São duas casas enormes onde o vento não entra. As cozinhas têm moscas e restos de ovos. Quem sabe? O dia não amanhece e a história acaba. Mas as horas não passam e homem e mulher são duros e o dia não amanhece.

                Só agora eles pensam um no outro; até que a lua surge e ninguém mais pensa. As camas são largas e suportam lágrimas. Eles gostam de chorar: lágrimas têm sal. O mundo ainda gira e o tempo acaricia a testa do homem, os fios de cabelo da mulher. Os dois não dormem, pois precisam de olheiras. O desejo alimenta o casal. O amor é areia embalada. A embalagem fura e a areia cai, aos poucos, no rio sem poesia. Ai de quem carregar nos pés um grão desse sentimento!

                As duas casas são iguais, pois os amores são todos iguais. Homem e mulher sufocam um sentimento, sofrem, pois têm coração. No criado-mudo, ao lado da cama, há um lápis e uma página. As mãos delicadas da mulher auxiliam a magia na produção de um poema. O homem poderá dormir, o sentimento foi libertado. A mulher derramou o amor no areal.