Crônicas & Contos

Porcos Selvagens (Aguardem...)

16/04/2012 11:26
PORCOS SELVAGENS   Cena 1   As mulheres lavam, esfregam, torcem, batem, rebatem as roupas. A tábua sobre a qual labutam é breve e lisa, um antiguidade ainda primordial no campo, na paisagem obscura e pungente, próximo à mata fechada. Os maridos estão trabalhando; trabalham muito, conversam muito, exclamam vários palavrões e cospem na areia vermelha, querem chegar logo em casa, se possível, antes do crepúsculo, é dia de caçada! As crianças estão na escola, o ônibus...

Ele guarda uma vida

31/03/2012 13:15
Ele guarda uma vida   Chegou a sua casa pensando em suicídio. Abriu a porta, passou pela sala. Na cozinha, o armário, comeu uma dúzia de biscoitos recheados. A geladeira aberta, bebeu dois copos d’água, degustou meia fatia de presunto, passou as vistas nas maçãs: vermelhas, talvez suculentas. Cerveja na mesa, envolveu a garrafa entre os dedos e agarrou o abridor: pronto! Primeira dose, foi! Segunda dose, foi! Terceira dose, foi! Quarta doze, foi! Pôs a garrafa vazia...

O amor, por obséquio

22/03/2012 13:26
O amor, por obséquio   Sim, o amor existe. É cachorro sem dono e sem rumo, sim, o amor é louco. É jogador e às vezes pegajoso, sim, o amor cola. Coisa míope e sem juízo, sim, o amor é jovem. Peça em cima da cama, perfume que quase acalma, sim, o amor é tímido. Deus muito distinto, com manha e fieis nus, sim, o amor é flora. Madrugada sem ruído, fome insaciável, sim, o amor é casto. Delicado selvagem, à margem do nada, sim, o amor é riso. Cliente...

Apenas Chorar

22/03/2012 13:25
Apenas Chorar Um dia desses, qualquer dia, aprendo a chorar. Seja por ato insignificante, seja por ócio, chorarei demoradamente. O remédio caro, o estômago  vazio, chorarei sem hesitar. O martelo no dedo, o espinho no pé, chorarei: choro exagerado. Um não maldito, uma demissão, chorarei por chorar. Na falta de um beijo, na chuva ausente, chorarei como um ninguém. Um defunto, quem sabe, uma flor que nasce, chorarei à vontade. Na manchete do jornal, na dor da criança, meu choro...

Santa Mortífera

22/03/2012 13:24
Santa Mortífera   Chegou a hora de beber o veneno. Mas quem disse que a Morte compareceu à cerimônia? Deixou que o menino se lascasse; queria morrer que morresse, mas de outro jeito. Morte é sexta-feira ou sala de jantar? Então, como eu ia dizendo, a morte não foi assistir ao espetáculo, contudo mandou um representante. Santo representante,(quase) livrou a garganta do liquido fatal! Menino besta, também, comprou veneno baratinho, num camelô do lado...

Insônia, uma justificativa

22/03/2012 13:23
    Estás deitado, tentando dormir. Ficas conectado aos seus pensamentos, depois contas as vigas do teto. A luz acesa, agora apagada. Lês um livro, bocejas. Tu vais ao banheiro, passas pela cozinha, amarela e desagradável, abres a geladeira, observas o seu interior como se admirasse um quadro de Van Gogh. No quarto, implicas com o colchão, pensas em comprar outro, com o travesseiro, idem – com o cobertor, com o lençol, revelas a mesma implicância. A luminosidade da...

Juventú, mais que moda

22/03/2012 13:20
Juventú     Os falsos passos ainda não alcançaram a plataforma da estabilidade. Os olhos ainda giram, giram, giram, mais e mais trezentos e sessenta graus. A chuva, o vento, os relâmpagos e os pés descalços. Uivos de cachorros, tempo em que o tempo incomoda. Calçada esburacada, cheia de desvios, cheia de achados e perdidos. O dirigir, o mergulhar, o morrer, tudo junto, tudo inacabado e incompleto. As muletas maternas incomodam a ponto de haver a possibilidade de...

Criatura Esquisita

09/03/2012 12:04
    “Deus não acredita em Deus” (David Maxsuel Lima)   Eu já tinha ouvido muitos comentários a seu respeito, apelidaram-no de Incógnita. O mistério pairava sobre os seus ombros, sua face conservava um quê de inquietude; não havia palavra que o definisse. Seus passos eram tortos, excessivamente irregulares, não conseguia atingir dez metros em linha reta. Os livros o acompanhavam feito cachorro de estimação, daqueles que só abanam o rabo ao escutarem o assovio do...

Ensinamentos com o fim da angústia

09/03/2012 12:02
Ensinamentos com o fim da angústia   Abro um arquivo no tempo, escrevo sobre o passado. Sempre um adeus monótono, sem graça como uma criança limpa. As passagens e os arrependimentos; arrependimentos por tantas imbecilidades hoje deploráveis. O vento sangrando o rosto, também atende pelo pseudônimo: consciência.  Errar é mundano, sabe? Acertar também não é grande coisa. Vamos pular o muro hoje, só hoje? Mas você não pula, não pula porque tem medo, porque vicia. E tudo...

A crônica tem que dormir

09/03/2012 12:00
A CRÔNICA TEM QUE DORMIR     Não matar, não sangrar a palavra: impossível. Sacrificá-la a todo custo, uma arte desenhada sobre o silêncio. Explorar cada pedaço do chão poético, cada vírgula instantânea dos feitos literários. Não ousar abrir a janela e respirar literatura. O mundo é feio e escrito, só nos resta reescrevê-lo, apontar os erros, grifar as partes mais importantes, cortar pronomes em excesso, rasgar páginas inúteis, borrar palavras simplesmente bonitas com a...

Um homem vai devagar

09/03/2012 11:58
  Um homem vai devagar*              Um homem vai devagar, com o pensamento noutra civilização. Ao meio-dia branco de luz, observa sujeitos com um brilho esquisito nos olhos, povo feio, moreno, bruto. Os meninos seguem para a escola, vão deixando culpas no caminho. Sob o azul do céu de metileno, avistam-se pernas de morenas lavadeiras.             Nem...

Um entediado

09/03/2012 11:52
  Um entediado   Como se a vida não fosse, assim, tão viva. Pensou em suicidar-se hoje, mas adiou o caso para a semana próxima. Decidiu abandonar os estudos, desistiu por não achar nada certo. Quis tatuar alguma coisa em algum lugar, por causa da indecisão, nem chegou à porta do tatuador. Iria cursar Jornalismo, optou por Direito, sabendo, desde já, que não chegaria a concluir o curso. Mudaria de cidade, perambularia pelo mundo; não deu, contentou-se com os oitenta e...

Eu não acho nada certo

20/01/2012 16:29
Eu não acho nada certo (Autor David Maxsuel Lima)   Não. Eu não acho certo você vir aqui às três da madrugada junto com seu amigo afeminado que já deve estar com a rosca mais que queimada. Eu não acho certo você pular o muro do meu quintal, com cerca elétrica e tudo, e depois arrombar a porta e ir entrando e quebrando tudo, meu computador, e ir mandando todo mundo calar a boca só porque você tem aí uma arma com três ou quatro balas. Eu não acho certo você me deixar...

Parece Amor

17/01/2012 14:36
   Parece amor                 Palavras mudas, os cães latem. O homem não anda, corre. A mulher não anda, desfila. Ambos vivem. A porta da geladeira está fechada; um cá, outro lá. Homem e mulher ficam procurando algo no refrigerador. Não há nada. Eles assistem televisão e tomam cerveja. Um aqui, outro ali.                 O...

Todos os cachorros foram mortos

12/01/2012 09:35
                Todos os cachorros foram mortos                  As idades iam de cinco a oito anos. Éramos quatro crianças com a cara suja a comer areia e arrastar a bunda pelo meio do mato. Levantávamos, os quatro mais a família, cedo e tomávamos um cafezinho preto e amargo; depois, barriga cheia, pé na areia, dizia-nos nossa...

Índio na pista

03/01/2012 16:37
Índio na pista     Cena 1               Não há movimento, nenhum carro transita pela Avenida. O dia segue sem problemas e o silêncio é o que mais incomoda. É sábado, são três da tarde, o Sol brilha ditando o ritmo. O céu está todo azul, não há nuvens. A cidade é mansa, corre vagarosa, avesso metropolitano. Três pessoas na rua, uma moça e dois rapazes; a moça está de salto alto, carrega uma sacola com logotipo,...

Charme Feminino

03/01/2012 16:36
CHARME FEMININO     Cena 1               E eu corro e faço de tudo um pouco para alcançar àquela coisa que me alimentou de esperança e cujo nome eu não me lembro. Sei que ela tem nome bonito e isso basta.   Cena 2               E ela ajeita o cabelo duas, três, quatro vezes, ali no terminal rodoviário. Entra no...

O cão que baba

03/01/2012 16:35
O CÃO QUE BABA                 Mas eu não tinha aonde ir. A noite estava lúgubre, tensão no ar, nuvens densas ameaçavam desabar a qualquer momento, furando, assim, o bloqueio imposto pelo gélido silêncio instalado. Nada de bom, nada de ruim. Nem latido nem coisa alguma. Todos se escondiam, estavam protegidos, pessoas e cães, em seus respectivos cativeiros. A noite não acabara. Eu precisava cometer um...

Bafo dos Selvagens

03/01/2012 16:34
Bafo dos Selvagens        É melhor sentir o calor da selva do que o bafo dos selvagens. Ele invadiu a mata. Sozinho. Escureceu. Sob a luz da lua, conseguiu escrever alguns poemas ao som dos grilos. Não era o bastante; queria mais. Fora à Natureza para senti-la -não desistiria tão fácil. Ali, seu imaginário fluía melhor; não haviam palavras jogadas ao acaso, mas melodias secretas. O poema e a Natureza virgem o guiava a uma nova...

Um vulto

03/01/2012 16:34
Um Vulto       Um vulto. Noite escura. Duas da madrugada, ela e mais ninguém -ela e o vulto. Passaram-se trinta segundos, uma eternidade; tomou coragem, saiu do quarto e foi à sala: o telefone; tirou-o do gancho, digitou os três números. Nada:  ocupado. Duas horas e sete minutos, tentou novamente. Inútil.     Tinha uma arma, pensou em usá-la. Não. Não podia: era ilegal. Mas sua vida estava em risco: sim, podia. Na gaveta do...

Lucy

03/01/2012 16:33
LUCY               Não. A vida não valia à pena. Desafiara a morte, ao se jogar do sexto andar. Com certeza, não valia. Ali estava, paraplégica. Lucy. Sem Sol: presa naquele quarto monocromático. Mas tinha amigos. Tinha. Afastaram-se quando souberam da noticia: do hospital, iria direto para o hospício. Louca. Louca. Suicida. Era isso: uma suicida.             Bateu...

Poesia

03/01/2012 16:32
Poesia               O tempo fechara de súbito. Todos desprotegidos. Dezesseis horas; nada a mais, nada a menos. Ao atravessar a rua, a tempestade desabou. Não. Os raios apareciam distantes. Onde eu estava, caia uma chuva tímida, mas logo se fez avassaladora. Por enquanto, entenda, garoava.             Pessoas corriam. Passos mais que apressados. Protegiam-se como...